é o timing

Renata Froan
3 min readAug 30, 2024

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Imagem: Kairós (Deus do tempo oportuno)

Estou em silêncio e aguardo, o olho no relógio que não passa. Pelo vidro que separa a mira do meu olhar dos ponteiros imóveis — nem atrasados, nem adiantados —, pelo vidro que instaura o impasse da pausa, posso ver: “a espera é uma ótima cena”. Espera, essa esfera, de pedra… Não, do reflexo circular, o que posso ver, sem aspas: a espera é um ótimo enigma, digo, átimo de enigma.

Estou em silêncio e aguardo, o olho na janela. Pelo vidro que separa a mira do meu olhar da paisagem da cidade que anoitece, posso ver: é uma miragem. As sirenes, as buzinas, tudo indica: algo escapa na passagem. De passagem. Tento ouvir o sussurro dessa coisa perdida. Olho o relógio novamente, mas sei que nada acontecerá entre os ponteiros parados. Esfera, essa espera, de pedra… E o mundo correndo do outro lado da janela.

Nada se move, mas tudo urge. Tinha na ponta dos dedos e do pensamento todo este texto pronto. Seria uma crônica, mas também uma carta sobre o tempo — ou para o tempo (como a maioria dos textos e poemas que escrevo). Seria um texto sobre o passado que retorna pelo eco do tempo. Passado no presente, sobreposição da memória, que no decalque do tempo cronológico se revela: repetição. Igual, mas diferente.

Nada se move, mas tudo urge. Tinha este texto pronto no meu pensamento, mas na ponta dos ponteiros que passam, dos ponteiros que se movem, essa crônica, essa carta se foi num átimo distante. Um instante. Sem espera. Não houve tempo. E o que eu queria dizer, escrever, nunca será escrito como poderia ter sido. O mesmo, mas outro.

Nada se move, mas tudo urge. Sonhei que precisava dizer algo muito importante. No sonho eu pressentia que poderia perder o instante exato da fala. Como sirenes e buzinas, tudo me alertava: algo precisa ser dito antes que se escape, na passagem. De passagem. Tento ouvir o sussurro dessa coisa perdida. Mas no sonho eu nunca cheguei a falar o que precisava dizer.

O que eu queria dizer se desloca em algo que escrevo de soslaio, sequer consigo conscientemente acessar. É como o tempo que paira entre eu, o relógio inerte e a janela. O que eu queria dizer seria um texto sobre o passado que retorna pelo eco do tempo. Passado-miragem do presente, costurado pelo fio da coincidência.

O que eu queria dizer se desloca em algo que escrevo de soslaio e sequer consigo conscientemente acessar, porque nada acontece e tudo urge e esse tempo oportuno se perde na miragem do presente pelo tecer da impermanência.

Roda-se o fio. Fia-se o fuso. Confuso. Queria terminar este texto com a seguinte frase: “é o timing”, como na performance do Charles Bernstein ou “é sobre timing”, como no texto da Annelise Schwarzs, mas o timing nunca chega. Ele acontece.

Estou em silêncio e aguardo.

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